A princípio comecei a trabalhar com guache, depois veio a aquarela, mais tarde a tinta acrílica. Esta última técnica é a que tenho mais explorado. E como os grandes espaços sempre me encantaram, o tamanho de minhas telas foi pouco a pouco aumentando, até chegar a uma de dez metros de comprimento por um metro e sessenta de largura, que apresentei em uma exposição no Rio de Janeiro, em 1996. Pintar este painel foi uma experiência maravilhosa!
Utilizo uma cor de cada vez, numa sequência de rápidos gestos e com uma grande movimentação corporal. As cores se entrelaçam o tempo todo, como uma teia, por toda a extensão da tela. Há momentos no meu processo de trabalho em que a sensação que sinto é que o pincel, a tela, as tintas, eu e o espaço que nos envolve somos uma coisa só.
O trabalho final é quase sempre exuberante em cor e tem um grau de movimentação incessante, por onde o olho corre sem nunca pousar, incapaz de descobrir onde cada cor começa ou termina.
ECILA HUSTE
Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro, Setembro 2018
Exposição INTERDEPENDÊNCIA
Nada está separado de nada
Se você quiser chegar rápido à ideia de interdependência, convido você a olhar para o seu próprio corpo.Nele, todos os órgãos – independente de tamanho ou função – são igualmente importantes e imprescindíveis para que seu corpo funcione.Ou seja, sozinhos nossos órgãos nada são, mas unidos eles atuam de uma maneira muito inteligente e sensível.Nada está separado nesse sistema maravilhoso.
Ao reconhecermos esta realidade, podemos chegar à conclusão que tudo à nossa volta funciona da mesma forma.Somos um sistema inserido e atuando dentro de outros sistemas nossos conhecidos, como o familiar, o social, o profissional e o próprio universo onde vivemos.
Estamos todos conectados com a energia familiar ancestral que recebemos através de nossos pais, com a energia do universo, que nos acolhe aqui no planeta, e com a energia de cada pessoa que passa pelo nosso caminho.Somos uma parte deste todo universal e, enquanto parte, somos também o todo.Todas as pessoas e situações que se apresentam em nosso caminhar estão interligadas através de um elo quase sempre invisível ou imperceptível aos nossos olhos.
Sendo assim, precisamos estar atentos a nossas atitudes diante de tudo o que nos cerca, pois elas sempre trazem consequências, boas ou não.E porque estamos interligados, somos corresponsáveis por todas as situações que se apresentam ao longo de nossa vida.
A interdependência precisa ser observada e sentida.Sozinhos nada somos.Basta olhar a natureza ao nosso redor.Há lugar para todas as cores, formas e espécies, que convivem e mantêm a sua individualidade.
Antes de se chegar ao sublime momento da criação, em qualquer área de atuação, vamos depender de um grande número de pessoas que colaboraram para isso.A todas elas, gratidão!
ECILAHUSTE / setembro 2018
INTERDEPENDÊNCIA
Do ponto de vista estritamente visual, a pintura de Ecila Huste seduz por trazer de volta aquela reflexão em que Renoir afirmava não crer nas cores, mas na relação entre elas.
O mais envolvente porém é que a Pintora aqui apropria esse pensamento de maneira perversa, isto é, transita na contramão dos dogmas do cromatismo, extraindo desta sistemática transgressão o trunfo maior de sua paleta.
Numa antítese ao diálogo bem comportado entre principais e complementares, as cores, nesse conjunto de trabalhos, perseguem a fratura e o estranhamento.
E o fazem para atingir um patamar em que a sentença do Mestre Impressionista passa a ser válida – dialeticamente – pelo seu contrário: não mais a harmoniosa confabulação entre as cores mas o seu antagonismo e, por vezes, seu entrechoque.
Não as recombinações e simbioses tonais estruturantes da pintura enquanto linguagem, mas os transes e os traumas capazes de implodir esse discurso numa colheita de significações muito mais densas e imprevisíveis.
Esta, como inicialmente dito, é uma leitura da parte tão-somente visual desses momentos da arte de Ecila. Sedutora, porém, que seja toda essa mobilização de traço e cor, muito mais o será toda a coerência com que o visível dessa obra veste o seu todo semiológico em uma fantasia exata.
É, portanto, bem surpreendente que a própria Pintora em um de seus textos deponha negando que haja cálculo ou programação de efeitos em seu processo. Tudo ali flui, segundo ela, no impulso criador ditado por um ritmo em que a ludicidade se exercita em seus matizes.
Isso, óbvio, guarda coerência com os ditames da Pintura Gestual em si. Porém em raros outros momentos dela – e não falo apenas de Brasil – há uma tal perfeição de contraponto que os diversos tratamentos se desafiam e se resolvem, nessa teia de transparências e dissonâncias. Tanto mais envolventes quando, segundo a própria artista, alheios aos rigores do cálculo.
O que nos lembra o Mozart menino que os biógrafos dão respondendo a um boquiaberto músico da corte sobre o segredo de suas impossíveis harmonias: É muito simples, eu junto as notas que se amam.
Ruy Sampaio
Associação Internacional dos Críticos de Arte